Kimono Project - o quimono na cultura japonesa e as olimpíadas de 2021 no Japão

Alinhado com a identidade da campanha "The World Can Unite As One", isto é, com a ideia de que o mundo pode se unir em um só propósito para a humanidade, o diretor de arte e artista digital Nobumichi Tejima e Yoshimasa Takakura, presidente da loja de quimonos Choya Co., criaram o "Kimono Project" para as Olimpíadas de 2020 no Japão, adiadas para 2021 em função da pandemia.

A obra do "Kimono Project" é mostrar a identidade dos países integrantes do evento estampada em um ícone milenar da cultura japonesa, o quimono de seda pura.

Além de representar a milenar tradição japonesa da produção deste tecido de fibra natural tão nobre e de suas técnicas de estamparia, o quimono é uma peça de vestuário cuja história se confunde com a própria história da cultura do Japão.

Vídeo do desfile dos quimonos (Fonte: Youtube)

Realizado com recursos de um financiamento coletivo e com mão de obra voluntária, o "Kimono Project" contou com artesãos de 18 cidades japonesas para a produção de todos os 213 quimonos artesanais, feitos em 6 anos de trabalho.

A produção de cada quimono custou cerca de 1 milhão de ienes e em agosto de 2020 os realizadores declararam que os trabalhos estão concluídos.

Cada quimono foi criado por um artista ou estúdio diferente, usando técnicas tradicionais de tecelagem e tingimento.
The Garnette Report

Os quimonos foram expostos ao público de 16 a 18 de outubro de 2020, em Kyoto no Japão, e podem ser vistos também em um vídeo divulgado para o mundo todo.

O vídeo mostra todos os 213 quimonos criados. A estampa de cada país retrata ícones da sua história, cultura e natureza. São verdadeiras obras de arte por sua beleza, excelência técnica, mas principalmente por seu conteúdo tão rico e por sua mensagem para a humanidade.

Vídeo da exposição dos 213 quimonos (Fonte: Youtube)

O objetivo do projeto é homenagear os países e a ideia é ilustrar como a união entre as nações é possível, mostrando que, ainda que os idiomas sejam diferentes, a arte visual tem o poder de atravessar essas fronteiras.

Concluindo, o "Kimono Project" é uma mensagem de paz dos japoneses para o mundo. É a expressão do desejo de que os países possam superar seus conflitos e se unir por suas semelhanças, figuradas na reprodução das identidades distintas de cada povo, porém estampadas em uma peça comum a todos eles, o quimono.

Para que a gente possa entender a genialidade desse projeto, além do que ele representa, vamos falar sobre a tradição milenar do quimono na cultura japonesa.

Mas antes vamos falar dos quimonos no Japão nos dias de hoje.

O quimono no Japão nos dias de hoje

O uso dos quimonos ainda é uma tradição em eventos sociais importantes públicos ou privados, como por exemplo o casamento e a cerimônia do chá.

Esta é uma tradição que requer conhecimento para a sua prática. Tradicionalmente, a arte de vestir um quimono era passada de mãe para filha. Mas hoje em dia, em que os hábitos ocidentais de vestir são praticados no dia a dia, as escolas precisam ensinar as técnicas de vestir estes trajes e também o significado social de cada tipo de quimono, quem deve usá-lo e quando.

Quimono Furisode (Fonte: Nuria Monsó Tarancón - Flikr)

Por exemplo, o quimono Furisode é um quimono usado por mulheres solteiras. É um quimono normalmente mais colorido, de mangas mais longas e amarradas com obi brilhante e colorido. O obi é a faixa da cintura que faz o fechamento, prendendo o quimono ao corpo. O Furisode pode ser estampado com “komon edon”, desenhos geométricos simples repetidos em padrões, quando este modelo é também chamado apenas de "komon". O Furisode e o Komon são adequados para eventos cotidianos, como sair para jantar ou visitar amigos e parentes.

O Houmongi é um quimono também informal, cujo modelo tem um volume mais discreto e pode ser vestido tanto por mulheres casadas quanto solteiras.

Ainda no grupo dos quimonos informais que também podem ser usados por mulheres casadas e solteiras, o Tsukesage caracteriza-se por ornamentos não muito exuberantes.

O Iromuji, é informal mas sua elegância se destaca pela sobriedade de ser monocromático e sem estampas. É frequentemente associado à cerimônia do chá.

Quimono Tomesode (Criador: NihonSugi |Crédito: Getty Images/iStockphoto)

O Tomesode é informal, com mangas mais curtas, mas é normalmente feito de seda e tradicionalmente usado apenas por mulheres casadas.

E finalmente o Yukata! Dos informais, este é o quimono mais visto nas ruas no Japão, até porque pode ser usado por mulheres, homens e crianças e é um modelo associado à temporada de verão, uma estação em que os eventos ao ar livre são mais frequentes.

Já o quimono Kurotomesode é mais formal, adequado para esposas e mães em ocasiões como o casamento. Sua cor é preta e tem os escudos da família bordados nas mangas, peito e costas.

O Hakama, também de seda preta com o brasão da família bordado, é um quimono masculino, muito usado pelos noivos nas cerimônias de casamento.

Como os quimonos pretos também são usados em funerais, tanto por homens quanto por mulheres, a única forma de diferenciar se um homem está indo para seu casamento ou para um funeral é o uso de um adorno para o pescoço, semelhante a uma gravata, que é branco para o casamento e preto para os funerais.

Monocromático como o Kurotomesode, porém de variadas cores e menos formal é o Irotomesode. Ele também estampa os escudos da família e pode ser usado por mulheres casadas ou pelas parentes dos noivos em casamentos.

Quimono Shiromuku (Fonte: Hana Creeeeeeeee - Flikr)

Shiromuku, shiro significa branco e muku significa pureza. É um quimono exclusivo para noivas na cerimônia de casamento. Monocromático branco é ricamente bordado, usado com adornos na cabeça muito elaborados ou perucas com elegantes acessórios de penteado. O traje completo é composto de muitas peças sobrepostas, todas elas carregadas de símbolos e significados do ritual de casamento. É um traje muito formal, símbolo das tradições do casamento samurai desde a era Heian.

Para concluir, não podemos deixar de citar duas cerimônias exclusivas da cultura japonesa onde o traje quimono também é tradicionalmente usado. São elas o rito de passagem aos 20 anos, que é a idade da maioridade no Japão e as formaturas Shichi-go-san, que são um rito de passagem para meninas de 3 a 7 anos e meninos de 3 a 5 anos.

Fashion Kimono

Os jovens e a volta do hábito de vestir quimonos (Criador: Arief-Juwono | Crédito: Getty Images/iStockphoto)

O Fashion Kimono é a adaptação dos trajes tradicionais a uma concepção mais informal e moderna, com o objetivo de promover a volta do hábito de vestir quimonos entre os jovens. Este movimento tem tido sucesso ajudando a manter viva todas estas tradições.

O quimono na cultura japonesa

Para se ter uma ideia da importância da tradição do quimono na cultura japonesa, na sua origem, a palavra quimono é sinônimo da palavra roupa, que nomeia tudo o que se pode vestir.

A etimologia da palavra vem de "kiru", que significa vestir, e "mono", que significa coisa. Sendo a sua tradução literal “coisa de vestir”.

Como a história do quimono se confunde com a própria história das roupas, podemos começar este relato com a generalização de que, na Era Jomon, 10mil a.C. a 300 a.C., pesquisas indicam que as pessoas vestiam túnicas de pele ou de palha naquela região do mundo.

E que a partir da Era Yayoi, 300 a.C. a 300 d.C., com a chegada da sericultura e técnicas têxteis ao Japão através da China e da Coréia, se inicia o uso de tecidos nas roupas.

Teares rudimentares chineses no Japão (Criador: izanbar | Crédito: Getty Images/iStockphoto)

Nos séculos seguintes, essa influência chinesa continua a crescer com a adoção do budismo e do sistema de governo da corte Sui chinesa, que leva à adoção de regras do vestuário chinês na hirarquia japonesa.

Então, entre 701, código Tiho e 757, código Yoro, ainda sob influência da corte Tang chinesa, o protocolo de vestuário se amplia dividindo as roupas cerimoniais das roupas da corte e das roupas de trabalho.

Foi nesse contexto que se passou a usar os primeiros quimonos com cortes retos, cujo trespasse na parte frontal tinha o visual em V, tão característico dos quimonos como os conhecemos hoje.

E chega a Era Heian, 794 a 1.185, com sua “opulência têxtil” e o corte das relações com a China, permitindo que uma cultura genuinamente japonesa florescesse.

Os homens da aristocracia passaram a usar o Sokutai, que entre suas muitas peças de roupa era sobreposto por uma túnica ampla, de mangas longas que podemos considerar como um dos precursores dos modelos de quimono que conhecemos.

Trajes Sokutai (Descrição
**日本語:結婚 の 儀 に 臨 む 、 皇太子 明仁 親王 と 正 田美智 子。
Encontro 10 de abril de 1959
Fonte 主婦 と 生活 社 「白樺」 よ り 、 投稿 者 が ス キ ャ ン
Autor 宮内 庁)**

Ainda no decorrer do período Heian, com todos os seus avanços de cultura e tecnologia, foi criada a técnica de confecção de “corte em linha reta”. Essa técnica costurava em uma só peça várias partes de tecidos cortados em faixas de larguras e comprimentos variados.

As medidas de comprimento e largura das faixas eram determinadas pelo modelo da roupa. Por exemplo, uma faixa de tecido para as mangas poderia ser mais larga ou mais estreita, de acordo com o comprimento da manga do modelo. E da mesma forma seriam as medidas das faixas da frente e costas do corpo, etc.

Faixas de tecidos de diferentes dimensões para confeccionar diferentes modelos. (Fonte: Modacad)

Esta técnica une as vantagens da ergonomia das roupas cortadas e confeccionadas com a eliminação da necessidade de medidas exatas do corpo de cada usuário, caso dos trajes feitos com um tecido enrolado no corpo, como o tradicional ran por exemplo.

Em outras palavras, a técnica “corte em linha reta” produz roupas com a liberdade de movimentos das roupas cortadas e costuradas, porém com medidas amplas, que vestem pessoas de tamanhos bem diferentes.

Na sequência, já na Era Kamakura (1185-1333), a classe dos Samurais entra em ascendência provocando a criação do traje Kariginu, um tipo de capa trespassada, também com mangas amplas e compridas, mas com golas e ornamentos originais até então.

Traje Kariginu (Fonte: Wiki commons - Descrição
Manto Noh para o papel do homem ( kariginu ) do Japão, provavelmente do século 19, seda com tiras de papel dourado ( kinran ), ponto de cetim brocado com tramas suplementares, acesso 2557 ao Museu de Arte de Honolulu
Datado Data de filmagem: 2016
Fonte Trabalho pessoal
Autor Hiart)

Os Samurais continuam em ascenção na Era seguinte, Azuchi-Momoyama (1568-1600), marcada por guerras internas e seu traje evolui para o kamishimo - um kimono masculino com uma saia-calça ampla. Este traje continuou sendo usado até a segunda metade do século XIX.

Esta ascensão dos Samurais, e seus quase quatro séculos de permanência no poder, vincula para sempre a imagem dos quimonos às artes marciais. Podemos supor inclusive que a evolução das técnicas de tecelagem, modelagem e costura destas peças de roupa esteja fortemente baseada nas exigências de desempenho durante o seu uso. Afinal, a amplitude de movimentos e a eficiência da proteção da roupa de um Samurai são muito importantes para o sucesso da prática das artes marciais.

Mesmo durante os 250 anos de paz interna do xogunato Tokugawa (1600-1868) o quimono permanece em uso na forma do Haori usado no traje Kosode. Trata-se de uma peça curta, superior, cujas semelhanças com o quimono contemporâneo são o trespasse na frente e as mangas amplas.

O Haori é mais colorido, ornamentado e é usado por homens e mulheres.
Além destas características serem um reflexo de um período de paz, são também um reflexo da evolução das técnicas de tingimento, pinturas, bordados e da tecelagem com desenhos.

No aspecto cultural, estas técnicas foram usadas para imprimir e bordar símbolos que representavam a atividade profissional da pessoa ou a insígnia do chefe da família.

Até então os trajes representavam informações de status social e hierarquia de poder. Neste contexto, as estampas e ornamentos passam a desempenhar também esta função de destaque destas informações, o que nos remete à veiculação da identidade das culturas dos povos estampada nas obras do “Kimono Project”.

A partir da restauração Meiji, em 1868, por decreto do governo do Japão, o povo japonês passa a usar vestuário ocidental.

Ao final da 1º Guerra mundial, em 1918, quase todos os homens já estavam habituados a usar ternos, camisas, calças e sapatos de couro, mas o quimono continua a sua tradição no oriente até hoje e ainda exerce forte influência na cultura ocidental, na moda feminina e masculina, nos uniformes de artes marciais e na ergonomia do desenho industrial de modelagem como um todo.

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