Técnicas tradicionais de estamparia no Japão
Conheça as tradicionais técnicas de estamparia japonesas Ise-Katagami, Chusen e o Ukiyo-e. História e cultura milenares preservadas na continuidade do uso destas técnicas de estamparia de geração a geração.
Nos dois últimos textos do blogModacad falamos sobre a importância do quimono na cultura japonesa e da sua influência na moda ocidental. E como falar de quimono sem pensar nos belíssimos tecidos e falar de suas técnicas de estamparia?
A cultura japonesa é muito rica em beleza em quase todas as áreas. Da arquitetura às artes plásticas, do simbolismo de suas imagens gráficas à sofisticação de seu paisagismo, a beleza e sofisticação técnica permeiam todas as áreas desta cultura milenar.
Isso não seria diferente com as tradicionais técnicas de estamparia de tecidos. Diante do enorme universo de uma tradição milenar como esta, escolhemos falar hoje das técnicas artesanais de estamparia japonesa Ise-Katagami, Bingata e Chusen.
Ise-katagami
O Ise-katagami, ou apenas Katagami, é uma técnica de estamparia de tecido feita com stencil de papel.
Um estêncil nada mais é do que um molde de uma imagem vazada, com o qual se delimita uma área que vai receber a tinta sobre o tecido, que vai estampar os desenhos.
Sobre o tecido esticado na mesa de estamparia, as áreas recortadas do estêncil recebem uma camada de pasta de amido que cobre toda a área do tecido que não vai ser colorida. Esta pasta é aplicada para impedir a absorção de tinta.
Em outras palavras, a área vazada do estêncil fica em torno da área que forma o desenho e a camada de amido se parece mais com um "negativo" da estampa final.
Depois de seca a camada desta pasta de amido de arroz, as áreas livres são pintadas à mão com pincel ou com ferramentas alternativas pra aplicar a tinta no tecido.
O estêncil do Katagami é feito de várias camadas do papel japonês Whashi, feito de cascas do tronco das amoreiras, coladas com kakishibu, um suco de caqui rico em tanino.
Para recortar as imagens nas várias camadas de Whashi coladas, são usadas 4 técnicas com ferramentas próprias. São elas o Shima-bori para cortar listras; o Tsuki-bori com facas afiadíssimas para cortar um volume maior de camadas coladas; o Kiri-bori com facas semicirculares; e finalmente, o Dōgu-bori com suas facas de formatos específicos, como o de uma pétala de flor por exemplo.
Por Desconhecido - Скан, Domínio público
A origem do Ise-katagami é tão antiga que não é possível data-la com precisão. Evidências não muito precisas fundamentam a crença de que esta técnica já era usada na era Heian (794-1185).
Mas foi no período Edo (1600-1868) que a produção do Ise-katagami torna-se uma tradição na região onde atualmente se situam a província de Wakayama e o sul da província de Mie.
Até hoje permanecem nesta região os principais artesãos desta técnica, mas atualmente, a produção deste artesanato é localizada principalmente ao redor da cidade de Suzuka.
Para pesquisar imagens e conhecer a fundo a estética e a beleza desta técnica, reunimos aqui os nomes de artesãos de Ise-Katagami consagrados com o título de "tesouros nacionais vivos". São eles:
1.Nakajima Hidekichi (1883-1968)
2.Rokutani Baiken (1907-1973)
3.Nanbu Yoshimatsu (1894-1976)
4.Nakamura Yūjirō (1902-1985)
5.Kodama Hiroshi (1909-1992)
6.Jōnoguchi Mie (1917-2003)
Nakajima Hidekichi
(Fonte original: Suzuka City/Direitos: © Suzuka City)
Rokutani Baiken
(Fonte original: Suzuka City/Direitos: © Suzuka City)
Nanbu Yoshimatsu
(Fonte original: Suzuka City/Direitos: © Suzuka City)
Bingata
Esta técnica de estamparia é originária da ilha de Okinawa e tem significativas semelhanças com o Ise-Takagami por também usar o estêncil feito de papel whashi, colado com kakishibu, para aplicar a pasta de amido que isola as áreas do tecido que não vão receber cor.
Mas o processo de tingimento e fixação das cores é diferente. Do ponto de vista técnico, além das etapas de produção bem distintas, podemos citar como diferenças importantes o uso exclusivo de pigmentos naturais da região e os temas fortemente ligados à natureza e à cultura local.
Já do ponto de vista estético e cultural, o estilo da estamparia Bingata é marcado pelas cores vivas e pelo grafismo peculiar de seus desenhos. Os desenhos são destacados por áreas da cor de fundo no seu entorno.
As Cores refletem orgulho e filosofia.
“Nós não usamos cores em harmonia. Usamos cores opostas como o amarelo e o púrpura por exemplo. Usando meios tons e sombras, as cores opostas começam a se harmonizar, independentemente de suas fortes características. Esta é a essência do Bingata que o torna tão fascinante.”
Yorico Nagayoshi
Kobo Aizome
Youtube
A estamparia sempre é feita sobre tecido branco, deixando sua cor de fundo à mostra. E mesmo quando este fundo é colorido, o fundo só recebe tingimento, depois da estamparia dos desenhos estar pronta. Como o fundo branco é muito mais frequente nas estamparias Bingata do que os coloridos, podemos supor que esta técnica tem o destaque do seu trabalho na pintura dos desenhos.
Depois de seca a camada de amido de arroz sobre o tecido, as tintas são pintadas com pincéis nos desenhos, começando das cores mais claras para as mais escuras. Logo em seguida, são esfregadas com um pincel duro de cabelo humano, para se conseguir as cores vibrantes características da estamparia Bingata.
Depois de seca esta primeira camada de cor, é pintada a segunda camada com segundos tons que fazem o que os artesãos chamam de "graduação das cores". Esta etapa também é pintada com pincéis e depois esfregadas para vibrar a cor.
Depois de prontas as etapas de pintura, a fixação das cores é feita com a vaporização do tecido a uma temperatura de 100 graus. Esta etapa do processo foi incluída apenas depois da segunda guerra mundial.
Acontece que estes tecidos eram produzidos para a confecção do quimono Bingata, que não tem o obi atado à cintura. Depois da guerra, estes tecidos começam a ser usados na confecção de todos os outros tipos de quimono da tradição japonesa.
A fricção do obi no quimono exige que o processo de estamparia destes tecidos melhore a fixação das cores, para resistir ao atrito sem deteriorar a cor.
Depois da etapa de vaporização para a fixação das cores, o tecido é seco e só então pode ser lavado em água quente para eliminar a pasta de amido.
Caso seja necessário colorir o fundo branco do tecido, depois de todo este processo pronto, aplica-se a pasta de arroz sobre os desenhos estampados e esta última cor pode ser pintada com pincéis largos, ou o tecido pode ser mergulhado na tinta.
Esta etapa do tingimento do fundo me lembra o princípio do batik, que isola com a cera as áreas já pintadas para aplicar novas cores ao longo do processo de estamparia.
Para fixar esta cor do fundo o tecido precisa ser vaporizado mais uma vez, secar e ser lavado com água quente para eliminar a pasta de amido. E só então, finalmente, o Bingata de fundo colorido estará pronto.
Modelo de estamparia feita com a técnica bingata (Crédito: Bruno Cordioli/Wikimedia Commons)
Esta técnica tem uma história que participa da sua evolução até o estágio atual.
Antes de ser invadida e anexada ao Japão em 1609, a ilha de Okinawa era território do Reino de Ryukyu. Este reino tinha relações comerciais com o Japão e também com a China e países do sudeste asiático como a Coreia, que proporcionaram o contato com diversas tecnologias, entre elas a técnica de produção do Bingata.
A produção local de Bingata no reino de Ryukyu alcançou um padrão de excelência técnica e estética que fez o seu tecido ser desejado e muito valorizado nos mercados mais importantes da região. Artesãos da ilha eram enviados a outros países para aprender e aprimorar a técnica, bem como corantes e fibras das melhores procedências eram usados na produção.
No entanto, quando o Japão invadiu o reino de Ryukyu, sob o seu governo, proibiu o comércio com outros países na ilha e passou a cobrar tributos em forma do tecido Bingata. Mas sem o comércio com outros países, a produção de Bingata perde parte da sua excelência e a produção deixa de ser restrita à realeza e aos ricos e começa a ser feita para o público em geral.
Até que uma permissão especial foi dada apenas a três famílias para produzir Bingata e a excelência técnica pode retomar o seu caminho, que entre idas e vindas, quase se perdeu completamente depois da segunda guerra mundial.
Esta arte precisou ser trazida de volta à ilha de Okinawa, por Eiki Shiroma que resgatou no Japão estênceis legítimos de Bingata, que haviam sido tirados da ilha por colecionadores e soldados japoneses.
Chusen
Um ícone da cultura japonesa, o chusen é usado para estampar as toalhas de mão Tenegui, souvenir típico do Japão, conhecidas no mundo todo.
Aplicação da técnica Chusen (Foto: Workshop Tateishi Katsushika, Tóquio/ Fonte: Is Japan Cool)
Esta técnica também usa o estêncil feito de papel whashi colado com kakishibu para aplicar a pasta de amido que isola as áreas que não vão receber a cor.
Mas as suas peculiaridades fazem desta técnica de estamparia um processo de várias etapas, com o consumo de diferentes materiais, para obter uma estamparia com estilo completamente original das técnicas anteriores.
Depois da aplicação da primeira camada de amido, uma folha de tecido leve, de acabamento rústico como um forro, é colocada sobre o tecido para que uma segunda camada de amido seja aplicada com o estêncil.
Ainda para garantir uma absorção da tinta com as bordas do desenho bem definidas, é plicada uma camada de serragem sobre o tecido, que absorve os excessos antes de ser retirada.
Toalhas Tenugui feitas com a técnica Chusen (Crédito:ma_shimaro/wikimedia commons)
Neste processo, a tinta não é pintada com pincéis. O tecido será encharcado e as áreas sem a camada de amido absorvem a cor. Para aplicar diferentes cores em diferentes áreas, são feitas barreiras da pasta de amido, aplicadas manualmente com uma bisnaga.
Pronto! Agora é só encharcar cada uma destas áreas com uma cor de tinta. O efeito final é uma mistura de limites muito precisos dos traços com um tingimento de aspecto uniforme das cores. Estes dois aspectos criam uma harmonia original e cheia de possibilidades artísticas.
A tinta usada no Chusen é feita de corante em pó dissolvido em água quente e ela é aplicada com um recipiente com um tubo na ponta chamado "chusen".
Depois de embeber o tecido com as tintas, uma pressão sob o tecido é aplicada para os corantes penetrarem os fios.
Depois de seco o tingimento, finalmente a pasta de amido e os resíduos de tinta podem ser lavados.
Como os corantes são absorvidos pelos fios ao invés da tinta ficar aplicada na superfície, os tecidos estampados pelo processo do chusen conservam suas qualidades como isolante térmico, mantendo a absorção de umidade do corpo e a liberação da umidade no meio ambiente.
Modelos de estampas de Tenugui (Crédito:tupungato/Fonte:iStock)
Depois de tudo isso, todo o processo é repetido do outro lado do tecido! O resultado é um tecido com estampa de igual qualidade nas duas faces. Esta é realmente uma tecnologia que não mede esforços para resultar em qualidade e originalidade!
Além das icônicas toalhas Tenugui, usadas no Japão desde 1600, as estampas "chusen" são usadas na moda em tecidos, bandanas e gravatas, nos trajes de artes marciais e até em objetos de decoração e embalagens de presentes.
Shibori
Não podemos encerrar este texto sem falar de uma última técnica de estamparia japonesa muito conhecida e usada no mundo todo, o Shibori.
Esta é uma arte milenar japonesa que usa dobras, amarrações e torções para criar padronagens coloridas nos tecidos. As amarrações são bem diversificadas, estampando padrões muito variados.
A técnica Shibori (Crédito:漱 石 の 猫/ WikiCommons)
Se você quiser saber mais sobre esta tecnologia fantástica, que produz estampas belíssimas e pode até ser feita em casa, com materiais e utensílios bem acessíveis, nós já falamos sobre o Shibori aqui no blogModacad no texto Diferentes Técnicas de Tingimento Têxtil. É só clicar aqui no link para conhecer!
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Leia também nossos posts sobre "Kimono Project - o quimono na cultura japonesa e as olimpíadas de 2021 no Japão" e "O uso do quimono na cultura ocidental".
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