O que é Alfaiataria e qual é a sua origem
(Foto de capa: Pixabay)
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No texto de hoje vamos falar de Alfaiataria, um dos ofícios mais complexos do mundo da moda atual, só perdendo para a confecção dos modelos de alta costura.
A alfaiataria é a profissionalização da confecção artesanal de roupas sob medida, feitas com tecidos diferenciados, de estilo elaborado, enfim, de roupas capazes de conferir distinção social às pessoas.
A instituição da alfaiataria como ofício data da idade média baixa, quando a incipiente burguesia ocidental europeia, em seu movimento de inserção social, começa a se vestir como a nobreza, aumentando o volume de trabalho de confecção de roupas sofisticadas e personalizadas.
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Por isso podemos dizer que as roupas de alfaiataria, mesmo hoje, quando não são mais produto de trabalho artesanal, permanecem ligadas à imagem de roupas de confecção elaborada, com muitas etapas de beneficiamento, com corte e caimento que modelam as formas do corpo de um jeito diferenciado, feitas com determinados tipos de tecidos, de estilo requintado e que por isso definem protocolos sociais de eventos e comportamentos.
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Diferenças entre modelos de alfaiataria (Fonte: jamesjames2541)
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Atualmente, o dress code da alfaiataria é praticado em culturas bem distintas ao longo de todo o mundo. As ocasiões sociais que demandam o uso do fraque, são bem distintas das que demandam o uso do smoking, que por sua vez, se distinguem das ocasiões em que o usuo de terno é mais apropriado e assim por diante. Esses padrões de "etiqueta social" são respeitados em muitas culturas de diferentes lugares.
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Até os dias de hoje muitas pessoas recorrem aos alfaiates para confeccionarem suas roupas (Fonte: eclipse_images)
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A prática da alfaiataria usa conhecimentos de geometria e aritmética, entre outros conhecimentos como o corte, a costura, a tinturaria e tradições têxteis da tecelagem e acabamento de tecidos. Sem se esquecer é claro, dos valiosos conhecimentos sobre a forma do corpo humano que a prática da confecção sob medida ensina. Afinal, este ofício nasce em uma época em que os estudos de anatomia eram muito precários, feitos de forma clandestina, porque eram proibidos e perseguidos pelos dogmas religiosos.
"O alfaiate conhecia todo o processo de confecção da roupa. Era necessário analisar desde as ovelhas capazes de produzir a lã com qualidade para tecer o tecido ideal para cada tipo de roupa, até orientar o tecelão para garantir o resultado de caimento e aspecto desejado no tecido. E, claro, ele tinha que conhecer as proporções de cada corpo para confeccionar as roupas com perfeição."
Lívia Monteiro
Com toda esta bagagem de conhecimentos, ao longo da história, a prática da alfaiataria trouxe um legado importante para as técnicas de modelagem e de confecção de roupas de todos os outros perfis de estilos. Das roupas funcionais como os uniformes, fardas e as roupas para prática de alguns esportes, até as roupas de moda casual e formal, englobando assim quase todos os perfis de estilos.
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Em São Paulo está na "moda" contratar serviços de alfaiataria (Fonte: JackF)
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Talvez este legado possa ser uma das razões de ícones da alfaiataria estarem presente em modelos de muitos outros estilos de roupas. Exemplo disso são shorts e bermudas informais e esportivos com modelos de bolso faca, pregas e cós das calças de alfaiataria ou blazers e spencers femininos feitos de malha ou de tecidos informais, pouco ou nada usuais na alfaiataria tradicional.
Mas uma coisa é fato, mesmo nestas quebras de protocolo, o charme que a imagem da alfaiataria tradicional empresta a estes modelos é a elegância da formalidade, a beleza dos cortes que dão forma ao corpo e um novo look à informalidade de outros estilos.
Fraques, smokings, ternos, blazers, coletes, calças, saias, sobretudos, trench coats da alfaiataria tradicional hoje estão lado a lado com roupas casuais como os shorts, bermudas, saias e jaquetas de estilos variados, mas confeccionados com cortes de alfaiataria, que demandam os mesmos padrões de produção e por isso, também são identificados como "peças de alfaiataria" nas coleções de moda.
Como surgiu a Alfaiataria
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Na idade média baixa, a ascenção social da burguesia é uma consequência da sua apropriação dos meios de produção de bens materiais e riqueza. Esta nova condição de poder aquisitivo dá acesso a estes novos ricos ao status social que antes era só da nobreza.
Como as roupas feitas sob medida, com tecidos nobres, de modelos exclusivos, beneficiadas com bordados e acabamentos elaborados eram um símbiolo do status social nobre, com seu novo poder aquisitivo, a burguesia começa a se vestir com estas roupas.
Este símbolo de status social era uma conquista tão importante que as roupas dos burgueses também eram consideradas parte dos bens da família, discriminadas inclusive nos espólios das heranças.
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No início de todas estas mudanças, estas roupas eram produzidas em casa, com os recursos de conhecimento e prática disponíveis no senso comum. Com o passar do tempo, os burgueses usam seu poder aquisitivo para contratar serviços de profissionais capacitados para confeccionar roupas tão bem feitas quanto as da nobreza.
Com o cresimento contínuo desta demanda, as guildas instituem este ofício e criam as normas e procedimentos para regular a prática da profissão e da formação dos alfaiates.
"No ano de 1589 surgiu a primeira referência bibliográfica publicada pelo alfaiate espanhol Juan de Alcega, o primeiro livro de traçados em modelagem masculina na história intitulado o “Libro de Geometri pratica y Traça” (JUNIOR, 1937). Esse livro está disponível na Biblioteca Digital Mundial, e traz um apanhado de 135 traçados distribuídos em 190 páginas. Em seu livro, Juan de Alcega sugere indicações de encaixe, número de partes a cortar, além de códigos que indicam valores a serem executados."
Quatro décadas depois, no ano de 1618 foi publicado em Madri o segundo livro de alfaiataria intitulado Geometria Y Traça, de Francisco de La Rocha de Burguen. Achei muito curioso que ambas publicações têm como conteúdo principal o aproveitamento de tecido no corte, uma vez que esta é a última etapa do processo do corte antes da costura e acabamento.
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Terno de alfaiate, por volta de 1690 por N. de Larmessin. BNF, Cabinet des estampes (Fonte: Nicolas de Larmessin - Wikimedia Commons)
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Será que as guildas controlavam a divulgação dos conhecimentos de criação de modelos, de escolha dos tecidos e de desenho da modelagem? Afinal, mais cinco décadas depois, a primeira publicação francesa no ano de 1671, "Le Tailleur Sincère", de Le Sieur Benist Boullay, também publica este mesmo tipo de conteúdo.
Somente quase 15 décadas depois da publicação de Juan de Alcega, em 1769, foi escrito um tratado sobre alfaiataria que descrevia como desenhar um casaco desde a tomada de medidas até a apresentação detalhada de quais eram os "pontos de costura" usados em cada etapa da confecção e do acabamento. Descreve também o método de prensagem, os instrumentos necessários, etc.
Este conteúdo foi publicado no livro "L’Art du Tailleur", escrito por François Alexandre de Garsault e publicado pela Académie Royale des Sciences de Paris. (WAUGH, 1985)
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"A esta altura, a confecção da alfaiataria já exigia mais de um profissional envolvido no processo. O alfaiate comandava assistentes, aprendizes, costureias, bordadeiras, cerzideiras, tintureiros, além de coordenar o trabalho de tecelões fora do seu atelier. Pela complexidade da profissão e pelo conhecimento atribuído ao alfaiate, cresce sua reputação e o seu papel na sociedade.
Um dos pontos fortes dessa profissão era o contato direto com os clientes. Assim, ser alfaiate era sinônimo de fazer parte de círculos sociais restritos e ser bastante respeitado e aclamado nas rodas da alta sociedade.
Por ter esse lugar de destaque, o alfaiate não podia errar. Uma roupa errada correspondia a uma multa pesada, equivalente a 10 dias de trabalho, e a peça de roupa com erro era automaticamente confiscada."
Durante os primeiros séculos da alfaiataria, os alfaiates eram somente homens. Eles eram responsáveis por confeccionar os trajes tanto femininos quanto masculinos. Existiam as costureiras profissionais, que eram empregadas pelos alfaiates, mas as mulheres não podiam ser alfaiates, ou serem treinadas para criar estilo, corte e acabamento.
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Somente em 1675 as mulheres conquistaram o direito de trabalhar como alfaiates autônomas. Nesse ano, o governo real parisiense concedeu-lhes o direito de formar sua própria guilda. E ocorre então uma percepção do senso comum que ajudou a consolidar esta reputação profissional feminina. As pessoas passaram a considerar que a confecção das roupas feita por mulheres garantia a "decência e a modéstia" das clientes mulheres e moças.
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Nesta época, que tem início um século antes a partir do Renascimento, o fenômeno social a que chamamos de moda já pode ser idenficado como um comportamento consagrado na sociedade europeia. Este fenômeno também pode ser qualificado como um dos resultados da valorização social do indivíduo capaz de conquistar seus objetivos, sendo este um dos principais valores éticos da burguesia que já estava se consagrando como parte da classe dominante.
Neste contexto, a roupa exclusiva, feita sob medida, com o corte que valoriza determinadas qualidades estéticas para mulheres e outras para homens ganha mais notoriedade, exigindo cada vez mais a evolução das técnicas e conhecimentos da alfaiataria.
Mas o fato é que a alfaiataria, em todos os seus estágios de avanço da tecnologia, independente do período histórico em que for analisada, tem uma face da sua identidade que não muda. A alfaiataria produz as roupas que ditam o dress code que representa o status social em seu mais amplo expectro.
A cada período, ela cria a imagem e produz as roupas que vestem e representam os protagonistas do poder e identifica os demais integrantes de toda a sua hierarquia. Isso pode ser observado na figura da moda e dos modelos de cada período. Eles são adequados aos valores dos protagonistas de cada época.
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Se avaliarmos a produção de roupas da alfaiataria nos dois últimos séculos, vamos identificar que estas roupas são feitas para o homem cujo poder e reputação vem do resultado do seu trabalho, portanto são roupas adequadas ao comportamento de quem trabalha, que libertam os movimentos, aparentam sobriedade e formas masculinas.
Estamos falando da era que se inicia na revolução industrial e chega até os dias de hoje, cujos protagonistas são em sua maioria homens, industriais, comerciantes e influenciadores sociais que mudaram o cenário executivo e profissional da imprensa, da educação e da pesquisa.
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A elegância da alfaiataria masculina atual (Fonte: zhudifeng)
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Vamos falar disso no post "Alfaiataria Masculina e a representação do status social de reputação e poder aquisitivo".
E vamos falar também de como a revolução feminina na conquista do seu espaço na produção de riqueza e de conhecimento, de seu espaço no mercado de trabalho e na sociedade, passa pela apropriação deste dress code da alfaiataria masculina que confere status social na nossa sociedade.
A história mostra que as mulheres começam a usar a alfaiataria masculina para entrar no cenário executivo profissional, simbolizando o seu protagonismo. Vamos falar disso no post "Alfaiataria Feminina e a conquista das mulheres dos meios de produção de riqueza e poder".
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Elas repetem a história do início da alfaiataria, quando a incipiente burguesia se apropria da alfaiataria usada pela nobreza, para simbolizar seu status social como protagonista do poder.
O fato é que a distinção da roupa sob medida tem sua força em vários fatores. Mas a meu ver, seu bem maior é que a roupa ajustada a uma pessoa mostra suas formas e ressalta suas características mais marcantes, comunicando sua identidade com mais força. Este é um fenômeno que mesmo antes de ser assim reconhecido, deixa sua marca na história dos costumes.
Gostou deste post sobre "O que é Alfaitaria e qual é a sua origem"? Não perca a continuação desta séria sobre Alfaiataria nos posts "Alfaiataria Masculina e a representação do status social de reputação e poder aquisitivo" e "Alfaiataria Feminina e a conquista das mulheres dos meios de produção de riqueza e poder".
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